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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A lenda de Gawaine


Gauvain (Gawain, Gauvaine ou Gawan) é uma das personagens das obras literárias inseridas no Ciclo Arturiano. A personagem é muitas vezes designada por Gawain, variante do seu mais comum nos países anglo-saxónicos, aí normalmente precedida pelo título Sir. Nas versões medievais portuguesas das histórias arturianas, era comum traduzir o nome da personagem para Galvão e precedê-lo pelo título Dom.
Gawaine é muitas vezes descrito como sendo sobrinho do rei Artur, filho de Morgause e irmão de Gaheris, Gareth, Agravaine e Mordred. Possuía um comportamento muito irritadiço, como pode-se constatar em Layamon, onde, quando Artur descobre a traição de Lancelot e Guinevere, Gawaine declara que vai enforcar Mordred com suas próprias mãos e que Guinevere deve ser despedaçada por cavalos selvagens. Outra passagem, descrita por Thomas Malory, onde se pode visualizar o caráter persistente de Gawaine, é mostrada quando do cerco ao castelo de Lancelot. Lancelot, que durante a fuga com a rainha mata Gaheris e Gareth, afirma que a acusação de traição contra ele é falsa e que o julgamento por combate havia mostrado que ele estava certo. Arthur poderia até perdoá-lo, mas Gawaine não deixa que isso ocorra. O clímax da história é a luta entre Gawaine e Lancelot. A luta é interessante, pois mostra vestígios de uma história muito antiga.
Gawaine tem uma peculiaridade que lhe permite ganhar força física no período que vai das nove da manhã até ao meio-dia. Malory diz que isso era um presente de um homem santo, mas é claro que, originalmente, Gawaine era um adorador do "deus-sol". A despeito desta vantagem, Lancelot simplesmente resiste nas horas de força de Gawaine e, quando elas declinam, lança-o à terra. Por duas vezes essa luta sobrenatural acontece e a cada vez que Gawaine é jogado no chão, chama Lancelot para continuar a luta.

Gawaine e o Cavaleiro Verde

O conto mais famoso de 'Gawaine', no entanto, é intitulado Sir Gawain and the Green Knight (D. Gauvain e o Cavaleiro Verde), escrito por volta do ano 1400. No dia do Ano-Novo, quando o rei, a rainha e a corte estão reunidos para um jantar, um cavaleiro de tamanho incomum entra no casarão com seu cavalo. Pede que algum cavaleiro ali presente lhe dê um golpe no pescoço com o machado que ele carrega e que, no próximo Ano-Novo, o oponente esteja na Capela Verde para receber, por sua vez, o seu golpe. O cavaleiro e suas roupas, assim como seu cavalo, os trajes e os arreios, tudo era verde. O ouro e o aço estavam manchados de verde, os arreios reluziam e cintilavam com pedras verdes e filetes de ouro estavam entrelaçados na crina verde do cavalo. Artur imediatamente se oferece para o desafio do cavaleiro, mas Gawaine se interpõe e o toma para si. Com um golpe de machado, decepa a cabeça do cavaleiro que rola pelo chão, espalhando sangue na carne verde. O cavaleiro verde recolhe a cabeça. Levanta as pálpebras, olha vivamente e então encarrega Gawaine de encontrá-lo naquele dia, após um ano, na Capela Verde. Segurando a cabeça pelos cabelos verdes, monta em seu cavalo e deixa o casarão.
Um ano depois, para manter a palavra, Gawaine chega ao castelo de Bertilak, anfitrião cordial e generoso que, por ter cor normal, não é reconhecido como sendo o cavaleiro verde. Gawaine chega ao castelo em completo estado de exaustão. Recebido com hospitalidade, envolvido em um manto de arminhos enfileirados, é convidado a sentar ao lado de uma lareira com brasas de carvão. Quando Sir Bertilak retorna ao seu castelo, depois da caça, recebe o hóspede com muita cortesia e combina com ele que daria o produto de sua caça a Gawaine todo dia e, em troca, Gawaine lhe daria algo que tivesse recebido no castelo.
Os dias se passaram e, quando faltava pouco para findar o prazo, o cavaleiro partiu em busca da Capela Verde. Depois de muito caminhar, chegou a um castelo desconhecido onde pediu abrigo. Gawaine, recebido com a gentileza sempre dispensada aos hóspedes, foi convidado a passar uns dias no castelo com o anfitrião e sua linda esposa. Gawaine contou sua história e o Senhor do Castelo disse-lhe conhecer a capela. Como restassem ainda alguns dias para vencer o prazo, Gawaine aceitou o convite aproveitando o tempo para descansar e recuperar-se para o fatídico encontro. O Senhor do Castelo sugeriu que o jovem jogasse com ele por três dias e, a seguir, o levaria à Capela Verde. O jogo consistia numa troca de presentes. O anfitrião sai a para caçar enquanto Gawaine permanecia no castelo: tudo que conseguisse durante o dia, em suas caçadas, o Senhor do Castelo traria para trocar com o que Gawaine tivesse conseguido ganhar em seu dia no castelo. Aceitas as condições, o jogo assim se deu. No primeiro dia Gawaine passeou e conheceu o castelo, acompanhado pela anfitriã que, sempre que possível, aproximava-se amorosamente do jovem cavaleiro tentando seduzi-lo. Gawaine resistiu heroicamente até que no final do dia consentiu que a dama lhe desse um beijo. Quando o Senhor do Castelo retornou, trazia em suas costas um gamo. Jogou-o no meio do salão, perguntando: “E tu, que ganhas-te?” O cavaleiro de Arthur, apesar de confuso com o que ocorria e ainda inibido pela presença da dama, respondeu com fidelidade: “Um beijo”. Aproximou-se do Senhor do Castelo e beijou-lhe a face. No dia seguinte a situação se repetiu, com intensa sedução da senhora e, ao final da tarde, o jovem cavaleiro cedeu aos encantos da mulher e recebeu as carícias. Quando o Senhor do Castelo chegou, trazia nos ombros um enorme javali e entregando-o, conforme o combinado, perguntou a Gawaine o que ganhara. Como resposta recebeu “dois beijos” em seu rosto. No terceiro dia o assédio se intensificou, assustando Gawaine que temia não conseguir resistir à tentação, uma vez que era um hóspede e sua honra de cavaleiro estava acima de tudo. Mas a insistênci a foi tão explícita que não conseguiu resistir, recebendo três longos beijos. Para seu espanto, a Senhora do Castelo entregou-lhe uma fita verde dizendo-lhe para guardá-la pois o protegeria de tudo, inclusive “dos riscos de vida”. Quando o dia terminou, chegou o anfitrião trazendo uma raposa; quis saber o que Gawaine ganhara. A resposta soou reticente: “ três beijos”, e assim premiou seu anfitrião. Gawaine partiu pela manhã em direção à Capela Verde, orientada pelo Senhor do Castelo e apresentou-se ao seu algoz, que disse. “Vejo que cumpriste com tua palavra; ajoelha-te e coloca tua cabeça neste tronco para que eu possa cortá-la”. Gawaine tremia, com medo; ajoelhou-se sem conseguir abaixar a cabeça. O Cavaleiro Verde espera: “meu jovem, tenho uma tarefa a cumprir e tu me impedes de realizá-la!”. O cavaleiro de Arthur se recompôs e com muito custo ajoelhou-se e deitou a cabeça sobre o tronco: o corpo continuava contraído e tenso. Pela segunda vez o Cavaleiro Verde levantou e voltou a baixar sua espada sem conseguir realizar o intento: “Meu jovem, esperava um homem corajoso diante de mim!”. Gawaine não sabia o que fazer, tão desesperado estava; lembrou-se então da fita verde, presente da dama e, agarrando-se a ela com fervor, sentiu seu coração tranqüilizar-se. Ajoelhou-se contrito, colocando a cabeça sobre o tronco e, tomado por uma coragem desconhecida, esperou o golpe fatal. O Cavaleiro Verde levantou a espada e desferiu o golpe atingindo a testa de Gawaine, ferindo-o de raspão. Gawaine levantou-se assustado e para sua surpresa percebeu que sua cabeça estava a salvo e que o Cavaleiro Verde e o Senhor do Castelo eram a mesma pessoa! Confuso e envergonhado, não entendendo nada do que acontecera, ouviu com constrangimento: “Como foste corajoso ganhaste a vida!; como mentiste, eu te marquei com a espada, para que carregues a lembrança de tua falta. Vai , estás livre, busca os teus e conta o sucedido”. Gawaine retornou ao Castelo de Camelot e relatou a Arthur e a seus companheiros o ocorrido. Ainda se sentia envergonhado com sua atitude seja porque omitira parte da verdade ou porque tivera medo e sentira sentimentos nunca antes conhecidos. Salvara sua vida, era verdade, e o Cavaleiro Verde afirmou-lhe que fora pela coragem, mas para isso teve que se deparar com seu próprio medo, medo de morrer, com sua mentira e mais que tudo, com sua fraqueza; senti vergonha de si mesmo. O Rei reconfortou-o como um pai e enalteceu sua atitude dizendo-lhe que ser cavaleiro significava também ser esperto; precisou descobrir que tinha medo para saber ser corajoso e, ao conhecer sua fraqueza pode encontrar a fé na providencia divina, rendendo-se a ela. Tão contente ficou Arthur com a façanha do sobrinho que propôs a todos os cavaleiros da Távola Redonda usarem o fitilho verde em suas lanças em memória de Gawaine.

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